O ambiente empresarial brasileiro, apesar da recente expansão, é ainda um terreno tradicionalista (no mau sentido). A tendência à burocratização e à estagnação do pensamento reflete uma mentalidade funcionalista, que mata no berço as possibilidades de gestões criativas e modernizadas, o que sem dúvida compromete as chances das empresas nacionais em um mundo cada vez mais global.
Contra essa situação, o livro Mentes Criativas, Projetos Inovadores, recém-lançado pela Musa Editora, em coedição com a Universidade Tuiuti do Paraná, trata das grandes possibilidades de reverter esse quadro apostando na criatividade e na mudança da mentalidade industrial no ainda provinciano mercado nacional. Para tanto, o incentivo aos projetos de P&D (Pesquisa e Desenvolvimento), ainda incipiente, é apresentado como o melhor e mais eficiente caminho para os desafios empresariais no século XXI, que cada vez mais demandam inovação e não respostas prontas sobre este ou aquele problema.
Para falar mais sobre o assunto, o site da Musa Editora convidou o autor do livro Mentes Criativas, Projetos Inovadores, Klaus de Geus, para uma entrevista que pretende apresentar as ideias e sugestões de Klaus a respeito do atual estado do investimento nacional em inovação e criatividade.
Klaus de Geus é diretor da Faculdade de Ciências Exatas e de Tecnologia da Universidade Tuiuti do Paraná (UTP), gerente de programa de pesquisa e desenvolvimento na Companhia Paranaense de Energia (COPEL) e professor colaborador no Programa de Pós-Graduação em Métodos Numéricos no Centro de Estudos de Engenharia Civil (CESEC) da Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Klaus, primeiramente conte-nos um pouco sobre como se construiu sua visão sobre a criatividade no ramo empresarial.
Minha visão sobre a criatividade no ramo empresarial advém das encruzilhadas em que me encontrei em diversas épocas da minha vida profissional. Na época da minha graduação, vivia em constante luta, não sabendo se seguia meus interesses artísticos ou meus interesses “de profissão”. Sim, parecia que arte não era profissão. Isso aguçou em mim a percepção das diferenças entre a organização e a criatividade. Enquanto as questões ligadas à profissão pareciam exigir mais da organização, as questões relacionadas aos interesses artísticos definitivamente exigiam mais do poder da criatividade. Acabei me tornando um profissional com perfil mesclado. Isso se evidenciava como vantagem sob alguns aspectos, mas aparentemente as desvantagens pareciam ser maiores, porque, na vida profissional, é-se cobrado pelo “perfil profissional”, ou seja, técnico e organizado. A partir daí, tentei trilhar um caminho que resolvesse ou pelo menos amenizasse meu dilema.
Em países desenvolvidos, como Israel, Suécia e Finlândia, Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) é uma realidade, e todas as grandes empresas buscam investir na área. Por que a resistência brasileira em se juntar a esse time?
O principal motivo para a postura vigente no Brasil é a cultura de gestão de empresas, a qual se fundamenta nos princípios da revolução industrial. Nossas próprias leis incentivam essa postura. Para uma pessoa com perfil empreendedor, a CLT é o refúgio legal da mediocridade, o amparo sistemático da mesmice. Gestores focam organização e perpetuam essa situação, escolhendo sucessores com o mesmo perfil. Pessoas criativas são vistas como irresponsáveis e, às vezes, até mesmo como “esquisitas”. Não há lugar para pessoas criativas nas empresas geridas de acordo com a postura industrial. Parece que no Brasil a lógica é inversa: Os menos capacitados governam os mais capacitados.
Segundo dados do Department for Business Innovation & Skills (BIS), empresas como a Ericsson gastam quase um quarto (24,9%) de suas receitas com P&D. Os números no Brasil são sem dúvida muito menores. O que deve ser feito para, se não igualar, ao menos otimizar o investimento em inovação e criatividade nas empresas?
Investir em P&D significa abrir mão do lucro imediato para pensar na sustentabilidade, ou seja, no futuro do negócio e da empresa. Significa empreender tarefas criativas no intuito de alcançar diferencial competitivo, por meio do aumento do estoque de conhecimento necessário para evoluir no negócio. Empresas multinacionais estão presentes em um determinado país para concretizar lucro, e não para investir no conhecimento que lhes pode trazer diferencial. Esse investimento acontece normalmente no país de origem, quando acontece. Em empresas inseridas no contexto político, resultados visíveis devem ser mostrados num horizonte de quatro anos. Esses aspectos constituem uma forte barreira ao investimento em P&D. No Brasil, empreendedores criativos existem, mas têm que enfrentar um desafio muito grande para sobreviver no mercado. Todos sabem que é muito difícil criar uma empresa e conseguir fazê-la crescer no contexto brasileiro, devido a muitos aspectos, especialmente o da tributação e da burocracia. O país, não obstante sua retórica voltada ao incentivo à inovação, dedica esforços desencontrados no sentido de pavimentar seu caminho de crescimento e se consolidar como um país inovador. Os esforços são desconexos. Ao mesmo tempo em que uma entidade fomenta P&D e inovação sustentada, as leis e os mecanismos de fiscalização continuam em sua mentalidade industrial, baseada em números apenas. Nos últimos anos foram promulgadas leis que supostamente incentivam a inovação, tais como a lei de inovação e a lei do bem. Entretanto, mesmo após muita discussão enquanto as leis estavam “no forno”, seu formato final acabou se mostrando extremamente acanhado, provendo mecanismos interessantes, porém difíceis de implementar e limitados a diversos fatores, como forma de evitar ou minimizar as chances de corrupção. O que podemos concluir a respeito disso? Uma das conclusões que se mostram claras é que o país perde muito tempo lutando contra a cultura de levar vantagem, a corrupção, impondo limites e fiscalizações exacerbadas, as quais acabam por inviabilizar as iniciativas voltadas à inovação.
Em termos de gestão empresarial, a cultura ainda é um fator importante na postura do país. A criatividade e, consequentemente, a inovação dependem de pessoas. O modelo de gestão industrial pressupõe a aniquilação de fatores pessoais. A empresa funciona por processos e independem de quem ocupa um determinado lugar no contexto de um determinado processo. A criatividade está centrada em pessoas, que por sua vez podem criar um ambiente criativo. As pessoas criativas estão presentes nas empresas, porém não têm um lugar de destaque, pois a gestão industrial preconiza a organização e o controle. Para atingir um novo nível de inovação, é necessário repensar a gestão. Não basta ter pessoas criativas. A gestão e a direção têm que ser criativas.
Quais empresas você admira, dentro ou fora do Brasil, por seu incentivo à inovação?
No Brasil, a empresa que notoriamente tem produzido inovação é a Petrobras. Sem dúvida, ela constitui um ícone de crescimento e inovação no país. No pouco contato direto que tive com a Petrobras, pude perceber que existe a tendência de que a inovação ocorra em determinados contextos simplesmente porque há liberdade nos níveis hierarquicamente inferiores, ou seja, apesar dos gestores. A luta entre a mentalidade industrial da gestão e o empreendedorismo da classe criativa, que ainda está confinada à parte inferior da hierarquia organizacional, é acirrada.
Os exemplos que posso imaginar de forma geral em termos de empresas inovadoras são os mesmos que qualquer pessoa atenta a esse aspecto daria. A empresa Google, que está presente de forma quase que ubíqua na vida das pessoas atualmente, e a empresa Apple, que recentemente passou a Microsoft em valor de mercado, são ícones no ramo da tecnologia. A lista das empresas inovadoras não se restringe ao meio tecnológico, mas essas são as empresas as quais vejo como grandes inovadoras, Google e Apple. E por que elas são inovadoras? Porque seus líderes e criadores o são. Elas nasceram da criatividade.
Como se vê em seu livro desde a capa, o paralelo com as artes é algo importante em sua visão do mundo empresarial. De que maneira fazer um mundo tão técnico (de analistas, especialistas, gerentes…) interessar-se por outros ramos do conhecimento como as artes plásticas?
A questão não é fazer alguém técnico gostar de artes. A questão é estratégica e consiste em unir o mundo técnico ao mundo artístico e fazê-los se mesclarem. As pessoas certamente irão começar a olhar as coisas com outros olhos. Quanto mais a sociedade evoluir e o trabalho se tornar mais mental, mais criativo, e menos processual, menos linha de produção, mais o trabalho se parecerá com a arte. No futuro, aqueles que souberem mesclar trabalho e arte, ou seja, trabalhar como um artista, serão aqueles que alcançarão sucesso.
O exercício das artes, sejam artes plásticas, música, teatro ou qualquer outro tipo, tem o poder de abrir a mente do indivíduo para a criatividade, para a experimentação e, enfim, num último estágio, para a inovação. A experimentação é hoje algo temido pelas empresas, pois significa, de acordo com a mentalidade da gestão industrial, perda de tempo (“Não temos tempo para ficar experimentando coisas, para ficar brincando. Temos que produzir!”). Uma empresa inovadora tem por base um ambiente criativo, no qual conta com pessoas de diferentes perfis que se complementam. Ninguém está dizendo que processos não devem existir, nem que todas as pessoas têm que ser criativas. O que deve ser dito é que tem que haver espaço para as pessoas criativas para que a inovação aconteça.
Nesse sentido, quais artistas (dentre todas as artes) você mais admira?
É difícil listar artistas por ordem de importância, uma vez que as contribuições que cada um dá à sociedade se complementam. Mas não posso deixar de admirar aqueles que fazem escola pelo mundo afora. Na música, dentre os mais conhecidos, admiro Beethoven e Bach, além de outros mais específicos, tais como Chopin e Debussy. No Brasil, há um expoente que é pouco admirado em seu próprio país, mas muito valorizado fora, Heitor Villa Lobos. Seu trabalho junto ao folclore brasileiro é um trabalho sensacional. Em épocas modernas, Tom Jobim inventou muita coisa, usando acima de tudo criatividade aliada à qualidade musical.
Nas artes plásticas, aquele que notoriamente iniciou a evidenciação da junção da arte com a ciência foi Leonardo da Vinci. Como eu mesmo cito no capítulo 7 do livro, “Da Vinci não tinha formação especializada, nem se atinha à perfeição no que concerne à execução de suas obras, ou seja, “seu acabamento”. Ele se dedicava aos estudos, aos rabiscos, à inovação, à compreensão de fenômenos que queria representar”. A capa do livro, que tem por base a pintura de Johannes Vermeer “O Astrônomo”, reflete a conexão entre a ciência e a arte. “A Holanda do século XVII tinha um espírito de exploração baseado no interesse pelo mundo e pelo universo, pelo familiar e pelo exótico, tendo sido o palco do desenvolvimento do microscópio e do telescópio. A pintura de Vermeer celebra o astrônomo e o trabalho artístico, evidenciando o vínculo entre ciência e arte por meio de sua linguagem na pintura”. Maurits Cornelis Escher também é digno de menção nesse contexto devido ao seu trabalho artístico inspirado na matemática, representando situações e construções impossíveis, explorações do infinito e metamorfoses, em representações com características dinâmicas dignas de admiração.
É difícil falar algo sobre a literatura, mas gostaria de mencionar aqueles que sintetizavam grandes pensamentos usando pouquíssimas palavras, em aforismos que marcam a sociedade, tais como George Bernard Shaw e, no Brasil, Paulo Leminski. Novamente, não estou dizendo que esses são os melhores escritores do mundo, mas digo que eles marcam por suas características individuais e pela natureza de seu trabalho.
Na introdução, você diz que o livro se destina a diversos grupos, inclusive aos acadêmicos. Há uma grande polêmica, em especial em universidades públicas, a respeito da presença de empresas financiando pesquisas acadêmicas. Quais os motivos dessa resistência e como contorná-los?
Sinto-me confortável ao falar sobre isso, mesmo que minhas palavras soem como pesadas críticas, uma vez que estou inserido a esses dois mundos, a empresa e a universidade. Minha experiência em empresas públicas e privadas e em universidades públicas e privadas me mostra claramente que a universidade (principalmente a pública) está encalhada em seu puritanismo acadêmico, em sua arrogância de não se misturar com outros setores supostamente menos qualificados, e que a empresa está encalhada em seu pensamento de que seu trabalho é muito sério para se dar ao luxo de confiar nos devaneios acadêmicos, nas loucuras teóricas de cientistas. O Brasil apresenta uma característica peculiar no que tange à atuação de cientistas em relação a países conhecidos como desenvolvidos. A esmagadora maioria de seus doutores atua em universidades, ou seja, doutores não são absorvidos pelas empresas. O país se esforça para transpor o abismo que separa esses dois mundos. Recentes leis, já mencionadas nesta entrevista, fomentam a absorção de cientistas pelas indústrias. Porém, elas carecem de agilidade e flexibilidade. Apesar dos esforços, parece que o país ainda não sabe como aproximar a academia da indústria.
Algumas empresas já se acostumaram a fazer uso de mecanismos de fomento (renúncia fiscal, por exemplo) para financiar pesquisas acadêmicas e alcançar diferencial baseado no conhecimento. Entretanto, na grande maioria dos casos, financiamento de pesquisa se torna um instrumento inadequado, pois o conhecimento gerado não pode ser internalizado. A empresa possibilita o desenvolvimento de uma inovação na academia, porém não pode se apropriar do grande resultado do trabalho, a saber, o conhecimento gerado, pois esse fica com quem efetivamente realizou o trabalho. As empresas, para que realmente se sobressaiam, devem participar dos trabalhos de pesquisa e desenvolvimento.
Por fim, gostaria que você falasse do eiranembeira, um dos resultados do que você chama de sua “veia artística”. O que o projeto significou na construção de seu livro?
O trabalho “eiranembeira” é anterior à ideia de escrita do livro, mas decididamente teve um papel preponderante na linha de pensamento que norteou seu desenvolvimento. A experiência me permitiu confirmar aquilo que a literatura científica tem dito sobre o perfil de pessoas criativas e de como a inovação fortemente baseada na criatividade se dá. Percebi que o mecanismo de criação e de desenvolvimento de um trabalho artístico é em essência o mesmo daquele usado para desenvolver um trabalho de cunho inovador. Quando comecei a escrever o livro, não sabia que iria citar o trabalho “eiranembeira”. Porém, a própria literatura que usei como fundamento para discorrer sobre o mecanismo de criação me fez ver que a citação não só era necessária, mas também concretizaria aquilo que havia sido exposto de forma teórica. A comparação feita no capítulo 7 entre a arte e o trabalho leva muito em consideração o fator pessoal. Como já disse anteriormente, quanto mais o trabalho for direcionado para as características mentais, mais semelhante com a prática artística ele se tornará.
Na entrevista o Klaus mostra a importância da pesquisa e desenvolvimento para a sociedade, aliada à estratégia empresarial.
O paralelo que traça entre a pesquisa e a arte é providencial.
Já li a parte do livro disponível na internet e estou curioso para ler a íntegra da obra.
Renato Penteado
Renato,
obrigado pelo comentário. O livro está disponível nas melhores livrarias do Brasil, como a Cultura, Saraiva ou a Travessa. Também pode ser adquirido em nossa Loja Virtual.
Abraços!