A Cultura Político-Musical Brasileira

ISBN 978-85-85653-81-1
Waldenyr Caldas
224 páginas | 14 x 21cm
R$ 40,00

Música e política são os temas centrais deste livro bem realizado pelo sociólogo Waldenyr Caldas. Percorrendo a história política do nosso país, usando a música popular como contraponto para suas análises, ele nos traz algumas revelações do quadro sociopolítico brasileiro retiradas com extrema precisão e pertinência da canção popular. O Estado Novo, por exemplo, calou seus adversários com uma censura brutal. Baniu a democracia do país, semeou a incerteza e a insegurança. É nesse momento que surge a canção ufanista, o samba exaltação em defesa dos valores do Estado, muito bem analisados pelo autor. Já à época dos grandes festivais não surgiria apenas uma jovem e talentosa geração de compositores e cantores. Foi também um período de grande enfrentamento político-ideológico com os militares donos do poder. Aos desmandos e proibições a canção popular respondia com a contestação ao autoritarismo. Nem sempre, no entanto, a censura permitia a circulação desse protesto e tudo se perdia no mutismo imposto pela força. Mas, para o bem da cultura brasileira, a canção popular registrou esses momentos da nossa história, que passam agora a ser analisados pelos estudiosos do tema.

NA IMPRENSA

O Estado de S. Paulo / Data: 8/2/2006

Caminhando e cantando

Livro investiga a força da música na trajetória política do País, desde o Brasil colônia até o início dos anos 80, passando pelos festivais e pelas canções de protesto

Adriana Del Ré

Lancemos uma questão: o que o ex-presidente Juscelino Kubitschek e o músico João Gilberto têm em comum? De diferentes maneiras, a bossa nova. Movimento importante da música brasileira, a bossa nova encontrou seu nascedouro em terras cariocas, em fins da década de 50, na mesma época em que a política brasileira vivia a euforia do desenvolvimento econômico da era JK. João Gilberto é considerado o pai do movimento e JK, o presidente bossa nova. Tal apelido foi concedido ao ex-presidente pelo compositor Juca Chaves, fundador da sátira política, com uma canção crítica ao governo dele, de nome Presidente Bossa Nova.

No Brasil, política e música andam de mãos dadas desde o período colonial. Mantêm uma relação de coexistência – claro que nem sempre pacífica. Em muitos casos, a política abastece a verve criativa dos compositores, que se tornam cronistas do panorama político de seu tempo. Foi inspirado por essa estreita ligação entre música e a história da política que o sociólogo Waldenyr Caldas escreveu o livro A Cultura Político-Musical Brasileira , que acaba de ser lançado pela Editora Musa (224 págs.).

É o primeiro de uma série de dois livros. Este primeiro traça uma linha cronológica paralela entre os dois temas a partir do Brasil colônia até o início dos anos 80. Caldas não queria uma obra muito extensa de uma vez só. Por isso mesmo, vai dedicar um segundo título, que deve ser lançado no fim do ano, que compreende o cenário político-musical brasileiro dos anos 80 até hoje. “Nosso país é essencialmente musical”, descreve o autor. “A história da música popular no Brasil é crivada de fatos políticos, porque os compositores sempre tiveram como tema – não único – o desenvolvimento da política no País.” Waldenyr Caldas diz ter-se dado conta do quão forte é o binômio política e música durante suas aulas na ECA/USP. “Comecei a trabalhar isso com meus alunos. Eles têm muito a ver com esse livro, porque me ajudaram a pesquisar.”

Registros mostram que a política está sob a vigília dos compositores desde o século 18. “Cantos e danças como chula, fofa, lundu e modinha, entre outros, passariam a incomodar, não só a toda-poderosa corte portuguesa, mas também a Igreja, autoridades e os estratos sociais mais altos da colônia”, escreveu o autor.

Avançando um pouco mais na linha do tempo, o Estado Novo de Getúlio Vargas e sua censura ferrenha colocaram a música popular sob o controle do Departamento de Imprensa e Propaganda, o DIP. Nesse período, muitos compositores foram barrados, como Wilson Batista, que não tinha nenhum interesse por política, mas ao criar a simpática imagem do malandro em suas canções, ia contra a bandeira ideológica trabalhista de Getúlio.

Mas havia quem trabalhasse a favor do governo. Em fins da década de 30, por exemplo, as escolas de samba ficaram obrigadas a criar seus sambas-enredo a partir de temas patrióticos e nacionalistas, atendendo aos interesses do Estado Novo. Surgiu ainda o denominado samba-exaltação, que teve como seu maior representante Ary Barroso, com músicas na linha de Aquarela do Brasil. “Ary Barroso, Ataulfo Alves, Noel Rosa, todo esse pessoal da época do rádio defendia Getúlio, mesmo porque todo mundo era funcionário da Rádio Nacional, que era pública.”

Mais adiante, a partir da década de 50, o governo do presidente JK, o Nonô, ficou conhecido pelo avanço político, econômico e cultural também. É nesse contexto que apareceu a música Presidente Bossa Nova, de Juca Chaves, a quem o sociólogo dedica uma análise especial no livro. “Diferentemente da maioria dos compositores, Juca nunca se engajou em nenhum movimento. Ele abordava problemas sociais de forma caricata, com bom humor. Fez crítica social refinada”, descreve. “Ele foi completamente diferente: a direita não gostava dele, porque a detonava, a esquerda também não, porque ele não queria se engajar, era um bossa-novista que não participou do movimento bossa nova.”

Nesse mesmo cenário político, um grupo de jovens instrumentistas e cantores daria projeção ao novo ritmo da MPB, a bossa nova, que, por incrível que pareça, não foi bem-aceito logo de cara no Rio, onde o movimento nasceu. A partir do sucesso em São Paulo é que ficou conhecido no País e no exterior. Numa primeira fase, o movimento possui um tom mais coloquial, inspirado em elementos do cotidiano; numa outra fase, se tornaria contestador e politizado. “A bossa nova revolucionou a história da música popular brasileira, mas a música popular não parou aí.”

Mesmo em época de ditadura, os compositores produziam – apesar de muitas dessas canções terem sido censuradas, engavetadas e só virem a conhecimento público tempos depois. Mas a situação política do Brasil acabou sendo documentada por meio da música. “A censura para valer começou em 1969. Entre 64 e 69, muita coisa era aceita. Os governos de Costa e Silva e Médici foram um período de trevas. Poucas coisas passavam e passou uma música que não poderia, que foi Apesar de Você, de Chico Buarque. Quando se deram conta, ela já era sucesso.”

A grande força dos festivais de música, segundo Caldas, estava na luta contra a ditadura. O primeiro deles foi organizado pela extinta TV Excelsior de São Paulo, em 65, em que venceu Arrastão, de Edu Lobo e Vinicius de Moraes e defendida por Elis Regina. A TV Record resolveu lançar o próprio festival, em 66. A Banda, de Chico Buarque, e Disparada, de Geraldo Vandré e Theo de Barros Filho, empataram em primeiro lugar. Até 68, nenhuma canção dos festivais passou por censura. Depois disso, a situação complicou. Do 3º festival da Record, saíram clássicos como Ponteio, de Edu Lobo e Capinan, Domingo no Parque, de Gil, Roda Viva, de Chico, e Alegria, Alegria, de Caetano. “Alegria, Alegria foi o marco zero do tropicalismo”, diz Caldas.

A política se incorporou na MPB nos anos 60 e se fez valer pela chamada canção de protesto. Correndo por fora dessa música engajada, estava a turma da Jovem Guarda, que não sofreu censura nem perseguição dos militares. Por isso, foi tachada de alienada. Caldas discorda do rótulo. “É uma crueldade dizer que eles eram reacionários. Era um grupo de jovens que queria cantar, fazer sucesso, namorar. Não queriam saber de política, quem queria era o jovem universitário, politizado.”

Aos poucos, o Brasil se livrou das amarras do regime militar e, de uma maneira diferente, na opinião do sociólogo, os compositores se mantiveram na função de cronistas da cena política brasileira. “De 64 a 85, existia um inimigo comum, que era o autoritarismo militar. Depois que ele desapareceu, não havia contra quem lutar, mas a miséria, o desemprego, a bandidagem continuavam. Hoje, a música trabalha com esses problemas do nosso subdesenvolvimento.” Sobretudo o hip-hop, mas esta é uma história que ficará para o segundo livro.

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