O lançamento deste livro de Maria Inês Rosa enriquece a atual discussão sobre o mundo do trabalho. Analisando a narração do testemunho de um único trabalhador sobre seu tempo de vida de trabalho, de empregado e desempregado, mostra‑a emblemática com referência ao mercado atual do trabalho e às transformações no sistema produtivo. Tempo em que os avanços tidos nos direitos do trabalhador sofrem violações que retrocedem a situações que configuram trabalho escravo, numa contraditória violação à legislação do País, por condições e práticas degradantes. E não são poucas as formas contemporâneas de escravidão como as apresentadas no livro.
Maria Inês Rosa, socióloga, professora livre‑docente aposentada pela Unicamp, pesquisadora que vem se dedicando ao tema em alentadas obras anteriormente publicadas, articula suas reflexões com a problemática do sujeito e a do poder. Nesses espaços, interdependentes, são analisados esses dois tempos de vida do trabalhador, respectivamente o de não desemprego (trabalho) e o de desemprego. O “mestre do possível” que é o ser vivo humano, no uso que dele é feito, questiona as concepção e representação de seu corpo assimilado ao funcionamento de uma máquina, herdeiras daquelas que tomaram o corpo humano do trabalhador, na condição de escravo, como “uma máquina animada” (Aristóteles, na Política). Essas conformam e ancoram o uso de si capitalístico do homem/trabalhador até o presente. Desses tempos, aspectos são destacados: é a palavra relação ao outro/hospitalidade e testemunha dessa condição humana e da transmissão (herança) das experiências, coletiva e individual, e aí de uma língua particular, a de ofício, entre gerações, a tendência à ruptura dessa transmissão, e o descarte do trabalhador, relegado à “penumbra” e, junto, suas experiências/memória, além de ser empurrado à posição de homo clausus.
Para a socióloga e professora da USP‑FFLCH Heloísa T. de Souza Martins, “o cuidadoso trabalho de reconstrução da trajetória desse único trabalhador é sustentado por uma extensa bibliografia na qual se destacam autores como Karl Marx, Norbert Elias, Georg Simmel, Yves Schwartz, Emmanuel Levinas, Walter Benjamin, Georges Canguilhem, Sigmund Freud principalmente, mas não só, que contribuem para as suas reflexões na busca dos sentidos da narrativa/testemunho do trabalhador e acompanhamento de seus caminhos em uma sociedade em que o trabalho se transforma alterando as relações sociais de existência que demarcam o cotidiano fabril e a vida dos indivíduos a ele submetidos. A análise teórica cuidadosa das palavras e expressões utilizadas pelo trabalhador ao narrar a sua trajetória e ao revelar a tessitura das relações sociais que estabelece com o outro, no trabalho e por meio do trabalho, constitui a riqueza e a importância deste livro denso de significados e de sensibilidade”.