A Cultura da Juventude de 1950 a 1970 – Waldenyr Caldas

ISBN: 978-85-85653-96-5
Waldenyr Caldas
240 páginas | 14x21cm
R$ 40,00

Trânsitos além das dicotomias
A tese de fundo deste livro de Waldenyr Caldas é clara: as culturas juvenis nascem em um determinado período histórico da cultura ocidental. Este momento surge em um contexto – algumas áreas metropolitanas – no qual se libera um tipo de sensibilidade conexo à música. As conexões entre metrópole, música e jovens caracterizam a sensibilidade corpórea de uma maneira antes impensável, porquanto subverte as tradicionais distinções de classes rigidamente dicotômicas: aristocracia e burguesia de um lado, e classes populares (camponesas, operárias e empregados) de outro. Em termos, este tipo de música da juventude não é classista, mas transclassista: no sentido que favorece o trânsito e os cruzamentos culturais para além da velha estratificação de classe. Não apenas isso, mas também as dicotomias racistas que discriminavam radicalmente brancos e negros – isto é, os descendentes wasp dos afro-americanos – não funcionavam mais; assim como a outra grande distinção entre cidade e campo na qual se baseava no início o conceito de modernidade.

Nesse sentido, o rock’n’roll é transitivo no tocante às três clássicas dicotomias modernas: classista, racista, cidade-campo; enquanto radicalizava em termos conflituais a quarta dicotomia: aquela geracional.

Esta música, além disso, já nasce sob a égide dos mass-media na esfera do consumo em uma sociedade que era baseada na produção: e os jovens – nascidos historicamente nos anos 50 – não só não trabalham (enquanto se consolida a escola pública) mas consomem também; enquanto isso os pais, passavam diretamente da adolescência ao trabalho ou à guerra, e tinham como objetivo apenas a produção. Nasce aqui o ressentimento adulto contra o universo juvenil diferente do tradicional que não só era externo a uma ética e a uma política baseada no trabalho, mas consumia e exprimia uma corporeidade perturbadora da ordem existente.
E, então, as ciências sociais e a moral de qualquer procedência política seriam endereçadas contra o consumo musical e a “degeneração” juvenil.

Metrópoles mestiças

Este processo se consolida a partir das contestações em que as dimensões metropolitanas e produtivas seriam mais avançadas no sentido capitalista e mais sincrético no sentido cultural. Depois, menos na Europa, onde as cidades eram um tecido forte e “purista” em que se exercitava o baixo controle e a mobilidade social era frágil; e menos entre as nações latinos-americanas e onde a indústria era recente e a riqueza baseada em um sistema latifundiário contrário a qualquer reforma agrária, com ambíguas oscilações entre prejuízos raciais e desejos híbridos.

Nesse sentido, os Estados Unidos consolidam sua hegemonia na perspectiva gramsciana, não só durante e depois da Segunda Guerra Mundial, e mesmo entre as duas “grandes” guerras: quando das suas metrópoles mestiças nascem novos gêneros musicais que transformariam o modelo público de representar o corpo, um corpo finalmente sexualizado. E não foi por acaso que o próprio Gramsci, em seu período de reclusão no cárcere do fascismo (“devemos anular aquele cérebro”, dizia Mussolini) compreendeu rapidamente este processo baseado não apenas sobre um domínio econômico, quanto sobre uma hegemonia cultural. Pode parecer um paradoxo, mas os estudos culturais – do qual o livro é um posterior e importante atestado de pesquisa – nascem no cárcere e não no campo: Gramsci consegue derrubar o pan-óptico de instrumento de controle baseado em um olho que observa e controla a todo momento o corpo do detento, em uma série microscópica por meio da qual se desenvolve a anatomia da cultura capitalista.

Em síntese, em Cadernos do Cárcere fica muito claro como a cultura não é uma superestrutura que deriva da produção, segundo uma grosseira vulgata dita marxista; porém aqui são complexos processos interativos e simbólicos que cristalizam temporariamente modalidades de poder: este processo deve conquistar, de tempos em tempos, uma hegemonia cultural além do brutal poder baseado numa estrutura de classe. No final a política deve incluir também os processos culturais (antropológicos) populares e de massa, para não ficar mais restrita apenas à cultura considerada de elite e tampouco ao controle da produção.

A dança da baixa-corporeidade

Parece que a matriz da palavra jazz deriva de “ass”, significando os movimentos ondulatórios e rítmicos de base da coluna que aquela música favorecia e que eram anulados e controlados pela música “culta”. E então tal oscilação baixo-corpórea, como diria Mikail Baktin, grande estudioso do carnaval, se transmite por vibrações progressivas em todas as áreas urbanas do mundo ocidental, para espalhar-se depois para outras zonas, especialmente no Oriente Médio causando parte daqueles problemas identitários que agitam a atual fase política global. Tais vibrações oscilantes tornam-se irresistíveis na medida em que favorecem a autonomia de uma corporeidade juvenil que o novo sistema escolástico pós-segunda guerra (inter-classista, inter-sexual e em parte inter-étnico) conseguia liberar. Então “media”, metrópole e música criam a cultura juvenil.

Este livro focaliza justamente um autor decisivo e que deveria ser estudado pelos estudantes e pesquisadores com a mesma seriedade com que se aprendem as noções de sociologia ou em geral das ciências sociais: Chuck Berry. O modo como ele usava a ligação entre voz, guitarra e corpo era revolucionária. E corretamente vem acompanhada de uma bela citação sua: “quando os adolescentes começaram a fixar-se em mim, tive que cuidar muito da minha forma de atuação. Do contrário, seus pais não autorizariam mais os seus filhos a assistir aos meus shows.”

A ruptura é espontânea e não será mais possível recompô-la. Não se trata do tradicional conflito de gerações: está ocorrendo alguma coisa de grande importância que pela primeira vez é “trans-cultural”. Quero dizer que o poder subversivo e rebelde de Chuck Berry sensibiliza um adolescente “normal” como eu quando o vi pela primeira vez em um filme. E não esqueci mais a aberturarepentina comparada a outros universos que aquela “coisa” me trouxe. Era o rock’n’roll. Mas não só irrompe a importância contra uma moral arcaica, uma política corrupta, uma religião baseada no pecado, uma geração de pais comprometida com o fascismo ou com um anticomunismo em geral. A dissonância do rock e dos corpos manifestam uma simétrica dissonância contra uma sociedade autoritária baseada em valores tão construtivos quanto falsos.

Em uma célebre seqüência de Rebeldes without a cause de Nicolas Ray (traduzido vergonhosamente em italiano Gioventù bruciata e no Brasil como lembra Waldenyr, Juventude transviada para incriminar o mundo juvenil, no entanto, o sentido do filme é o oposto), James Dean responde da seguinte forma a um pai com pantufas e a uma mãe autoritária que lhe ensinavam a dizer mentiras que não prevalecerá a sua hipocrisia como um valor seu. A cultural juvenil do fim dos anos 50 e início dos anos 60 é uma rebelião ainda pouco conhecida, mas claramente dirigida contra uma dupla moral e à procura de um amor vital fora da agressiva forma-família da época. Os jovens rompem o duplo vínculo que liga a sua existência a uma sociedade imóvel e conservadora.

Além da Contracultura

Assim nasce uma contracultura, isto é, um movimento cultural e político que se exprime contra os valores dominantes da época, mas que ao mesmo tempo lança as bases para andar além da cultura do poder.

E é exatamente este trânsito de uma música “contra” uma cultura musical que é decisivo para entendermos os valores expressos anteriormente no surgimento dos movimentos da juventude. No sentido de que o “contra”, de qualquer modo, mantém-se conexo e praticamente quase ligado àquilo que se desejava destruir, para reproduzir em parte também sem desejar; enquanto que o “além” manifesta as suas autônomas visões do mundo, que se afirmam não mais em um contexto de oposição, mas construtivista.

Justamente o texto de Waldenyr, depois de ter analisado o contexto internacional, se concentra agora sobre as condições político-sociais do Brasil, assim como os jovens de outros países ocidentais (este último termo como se pode notar, é muito problemático) se encontram unidos em um fluxo comunicacional que pode afastá-los e concentrá-los em seus contextos específicos. E não contestar. Este aspecto criativo, que erroneamente é quase sempre visto como algo homólogo, tem favorecido a criatividade autônoma nos mais diversos contextos e com uma sensibilidade mais heterogênea. Este é um ponto decisivo para entender a importância para tantos versos irrepetíveis daqueles anos. O mérito do livro é o de percorrer a história do Brasil internamente no seu panorama musical (sound scape) que se irradiam por várias partes, mas que convergem na criação de um novo sujeito: a juventude brasileira. A música torna-se uma palavra chave através da qual pode-se focalizar este movimento que na sua espontaneidade fará com que as pessoas que viviam aquele contexto especial passassem a ter suas afinidades.

Devo dizer, para entrar em uma dimensão mais pessoal que a antropologia favorece, sempre mais, a minha amizade com Waldenyr e que ela se caracterizaria inicialmente através deste tipo de sensibilidade transnacional, desde o primeiro momento em que fui recebê-lo no aeroporto de Roma a pedido de uma amiga em comum: Olgaria Matos. Nós dois éramos “jovens-sem-tempo” e nos reconhecemos subitamente porque falávamos de Tom Waits, Gigliola Cinquetti, de Chico Buarque e John Coltrane. Ouvíamos estas músicas que se transformavam em nosso próprio corpo: em uma sensibilidade de ouvir e de mover o corpo, de olhar e de olhar-se, de ter uma curiosidade infinita sobre a maravilha que se estava criando para se favorecer a progressiva liberdade. Por esse motivo é que a música é jovem. Neste sentido ela não está ligada a um tempo com data marcada de vencimento, mas ao contrário, ela abre oportunidades à personalidade de cada um graças ao que se ouve e nos move.

É tempo de pôr em discussão a referida “quarta dicotomia”: aquela questão de gerações que opunha pais e filhos. Porque a audição é movimento e mutação. E os panoramas musicais aqui analisados são partes constitutiva de novos acordes: acordes não só entre notas, mas também entre corpos, entre escrituras, entre visões.

Massimo Canevacci
Professor da Università di Roma “La Sapienza”

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