O que temos em Ir ao cinema – um olhar sobre filmes é o relato de um percurso crítico. Humberto Pereira da Silva divide o livro em duas partes, que chama de Crônicas e Breves ensaios. As primeiras, por sua vez, são organizadas em duas seções, uma para os filmes da Retomada, outra para o que ele chama de Filmes do crepúsculo do século XX e da aurora do século XXI. Os Breves ensaios também se distribuem em duas partes: a primeira dedicada a perfis de grandes cineastas, a segunda ao que ele genericamente chamou de “temas de cinema”. A maioria dos textos foi escrita para a Revista de Cinema.
Pois bem, em sua apresentação do livro, Humberto fala de sua condição de professor universitário e de escritor de cinema. Fala do seu “exercício de olhar”, expressão que está no subtítulo do livro e que subordina o autor tanto à sua circunstância de vida quanto ao material cinematográfico que se encontra à sua disposição. Um crítico é alguém que exercita o olhar. Vemos nele então um espectador (poderíamos chamá-lo assim?), que acompanha alguns dos principais filmes do moderno cinema brasileiro, como Lavoura arcaica, Janela da alma, Edifício Master, Amarelo manga e Carandiru. Mas que não deixa de se ocupar também de um megassucesso como Matrix, ou um filme muito especial como De olhos bem fechados, o legado de Stanley Kubrick.
Em seus breves ensaios, Humberto perfila alguns gênios incontroversos da sétima arte, como Hitchcock, Tarkovsky e Jean Renoir, mas também inclui um nome polêmico como Peter Greenaway que, fazendo um cinema radical e muito particular, mais de uma vez profetizou a morte da sua própria arte. Finalmente, em Temas de Cinema, encontramos alguns textos de caráter mais geral. Um deles é importante em particular, “Questão de gosto e de compreensão: a apreciação de um filme”, uma espécie de “discurso do método” do autor. Todo crítico, em algum momento de sua vida, faz a si mesmo algumas perguntas básicas: por que um filme é bom e outro não é? Ou, por que este filme me tocou e este outro me deixou indiferente? Perguntas talvez irrespondíveis no limite, mas que não podem deixar de ser formuladas, até por uma questão de honestidade intelectual.
Esse arranjo dos textos no volume, essa opção organizativa do livro nos diz algo a mais sobre a atitude do autor diante do cinema: ele é alguém atento ao cinema nacional em sua fase de renascimento, mas não descura da produção estrangeira, pois o cinema é uma arte internacional, fato que às vezes escapa aos muito nacionalistas. Em seguida há perfis dos grandes mestres, que talvez sirvam como modelos para reflexão ou paradigmas para a educação do olhar. E, por fim, ensaios que de alguma forma delimitam o terreno da análise crítica, da ferramenta de trabalho, de forma um tanto mais ampla.
Em sua apresentação, Humberto diz que, ao organizar a coletânea, pouco corrigiu dos textos originais. Atitude que me parece acertada. Quem vive no dia a dia de escrever sobre filmes sabe da luta inglória que é transformar o material fílmico (aquele que vemos, e ouvimos, na sala) em palavras. Ora, dizia o mestre Drummond, “lutar com palavras é a luta mais vã”. Ao escrever, temos sempre a sensação de que alguma coisa falta e que, de alguma forma, fomos derrotados. Mas é isso mesmo, o percurso de um crítico é testemunho dos seus achados e também das suas dificuldades no confronto com os filmes que vê. Conservar essas dificuldades na versão final é também preservar o calor do momento em que os textos foram escritos. Ganha o leitor, acho eu.
No mais, o que se lerá, e com prazer, será a prosa serena do autor, sempre bem informada, colocando-se numa atitude que procura ser justa ao mesmo tempo que rigorosa em relação ao seu objeto de análise. Ou talvez nem possamos dizer que, para o crítico os filmes sejam esse “objeto”, que ele contemplaria de uma posição exterior ou – pior – superior. Porque é tal o fascínio do cinema que, de alguma forma, adorando ou não um filme, sempre estamos, em alguma medida, comprometidos com ele. E mais ainda quando esse filme nos estimula a escrever sobre ele, a transformá-lo nas palavras que devem se endereçar a um hipotético leitor. No mais, a crítica (qualquer crítica e não apenas a cinematográfica) é acima de tudo um exercício de estilo, como sentirá logo o leitor deste Ir ao cinema – um olhar sobre filmes.
Luiz Zanin, crítico de cinema de O Estado de S. Paulo
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