Entrevista com Dante Tringali, pelo lançamento de “A Retórica Antiga e as Outras Retóricas”, por Vinícius de Melo Justo
Este é seu terceiro livro sobre a Retórica?
A rigor, seria a terceira versão do mesmo livro, mas a tal ponto ele foi reformado e reformulado que deve ser considerado como um novo livro.
Justifica-se de sua parte tanto interesse pela Retórica?
Sem dúvida. Quem analisa a vida cultural da humanidade se impressiona com a vitalidade da Retórica. De fato, como desconsiderar um fenômeno de tal relevância! Não é acaso justo investigar por que neste mundo de Deus, a toda hora, se fazem tantos discursos? Por que o homem demonstra tanto gosto em discursar? O discurso tornou-se um instrumento de trabalho.
Pelo visto seu interesse não foi propor um manual prático de “discursos para todas as ocasiões”.
Estou convencido de que ajuda mais a quem pretende discursar em qualquer ocasião saber o que é rigorosamente o discurso do que fazer exercícios acadêmicos de declamação.
Em sua concepção em que consiste a essência do discurso retórico?
O discurso retórico é um texto ininterrupto produto de uma composição, dotado de retoricidade.
Que é que o senhor entende por retoricidade?
Por retoricidade entendo a capacidade que tem um texto de ser dialético e persuasivo, sendo persuasivo porque dialético.
Em que sentido emprega a palavra dialético?
Trata-se de uma volta à pureza do conceito aristotélico de dialética. Nessa volta à Dialética de Aristóteles eu acompanho Perelman. Para Aristóteles a dialética é a parte da Lógica que busca, numa questão discutível, persuadir a melhor opinião. A dialética não busca verdades ou evidências ou certezas, o que pertence à esfera da “Analítica”. Em conclusão, um texto que não defenda uma opinião não é retórico. E por isso mesmo, a Retórica supõe sempre discursos em oposição.
Até onde vai essa oposição?
Basta que as opiniões se oponham por diferenças, mesmo pequenas. A Retórica opera com a dialética da diferença. Não é necessário que as opiniões se oponham por contradição ou contrariedade.
Por que o senhor faz restrições a Quintiliano, para quem a Retórica é a arte de dizer bem, de dizer como convém seja o que for e não a arte de persuadir?
Porque essa é uma definição ambígua. De fato, dizer bem pode significar muita coisa. Vale para qualquer texto bem composto, independente de que persuada ou não. Dizer bem não caracteriza o discurso retórico.
Pelo visto, para o senhor sem persuasão não há Retórica?
Efetivamente, não há retórica.
A sua exposição deixa entrever que é pela exploração do conceito de persuasão que a Retórica trouxe uma grande contribuição ao desenvolvimento do pensamento humano.
A análise do discurso retórico supõe necessariamente a análise do conceito de persuasão. Ora, há mais de vinte e cinco séculos que o conceito de persuasão vem sendo discutido pela Retórica.
E quanto ao papel que exerce o diálogo socrático ao lado do discurso?
Não se pode deixar de confrontar o discurso retórico com o dialogo socrático, isto é, “a conversação” que visa a persuadir. Eles constituem os dois ramos de um mesmo tronco. São dois instrumentos de trabalho à disposição do homem. Quanto à escolha entre um ou outro, trata-se de uma questão de gosto. Agrada mais a Platão o diálogo, todavia, não raro ele se surpreende a si mesmo discursando.
Em sua opinião, a Retórica é um capítulo da lógica aristotélica?
Sim, essa é minha opinião.
Quer dizer que já é hora de se livrar a Retórica de sua concepção pejorativa?
Certamente. O que importa é livrá-la de seus defeitos inegáveis e mal-entendidos de modo que ela continue sendo um instrumento digno de servir ao homem. Essa já era a lição que nos proporcionava Luis António Verney.
Parece que um outro ponto polêmico do livro será a concepção que propõe de Retórica Semiótica. Que é Retórica Semiótica?
A Retórica Semiótica segundo meu modo de ver é a aplicação do modelo da Retórica a qualquer texto dotado de retoricidade, em qualquer linguagem. Assim existe a retórica da música, da cor… A iluminação teatral, por exemplo, pode ser um capítulo da Retórica Semiótica.
Ao que parece, o Sr. faz reservas a Barthes, que é uma das referências fundamentais no estudo da Retórica.
Faço algumas reservas, mas sem deixar de ser um dos mais entusiasmados admiradores de sua inteligência incomum. O que procuro fazer é uma advertência aos leitores desapercebidos que o manual de Barthes sobre a Retórica e que se tornou um vade mecum moderno da retórica antiga, fugiu de suas intenções, deveria ser uma oração fúnebre ao pé do túmulo da Retórica e de Aristóteles. Ele não pretende salvar a velha retórica, pretende enterrá-la.
Em sua própria opinião, qual considera o ponto mais importante do livro?
Acho muito importante o capítulo sobre as figuras de estilo e os tópoi. Mas o mais importante é realmente a construção de um modelo retórico de análise de um texto qualquer dotado de retoricidade.
O senhor concorda que o livro tem um caráter um tanto enciclopédico?
Sem dúvida que procurei visualizar a retórica por muitos ângulos.
Gostei da proposta inovadora que faz da Bibliografia.
De fato, achei que distinguir a Bibliografia da Retórica em livros “on line e off line” foi uma solução, pois os livros mais substanciais sobre a Retórica são velhos livros em latim digitalizados e recuperados pela internet.
Sem concordar com uma possível reforma da Retórica proposta por Platão, no entanto concorda com o moralismo radical que deriva de Platão.
Sem duvida, o Górgias de Platão continua sendo um livro indispensável de meditação do orador honesto, particularmente do advogado. Para Platão nem se deve sofrer nem praticar injustiça, mas entre uma coisa e outra é preferível sofrer injustiça a praticar injustiça.